Crítica: Paris 8 - Um filme de Jean-Paul Civeyrac


Um filme sobre um filme

Etienne Tinam, um jovem de província, dirige-se a Paris para realizar o seu sonho de fazer filmes. No curso de cinema da Sorbonne conhece Mathias um aguerrido esteta e livre pensador, e Jean-Noël, cujo entusiasmo com a sétima arte é sua marca registrada. Em sua primeira aula, a professora fala da grande fase do cinema italiano logo após a derrocada dessa nação no fim da Segunda Guerra  Mundial. Diz que muitos consideram-na como um segundo Renascimento tal a grandeza de suas realizações: Fellini, Pasolini, De Sica, Visconti, Rosselini, Antonioni. Mas, também, gente como Dino Risi, Luigi Zampa e Dario Argento. Uma multiplicidade rica em estilos e gêneros.

Mathias para os outros alunos, aparece como antipático e arrogante, pois questiona-os o tempo todo sobre a postura que eles têm frente ao cinema como arte e realização humana mais profunda. Sua fome é a de criar obras originais e de qualidade. Ele, Etienne e Jean-Noël formam um trio que se ocupa com as premissas necessárias para se realizar um cinema verdadeiro. Assistem filmes antigos e deslumbram-se com coisas como tomadas impecáveis enquadramentos criativos ou roteiros potentes.

Etienne está descobrindo Paris, mas também seu próprio desejo. Mahler, Bach e Erik Satie estão presentes na trilha sonora e nas preferências musicais do jovem artista. Baudelaire, Pascal e Novalis, entre outros, alimentam sua necessidade orgânica de Literatura e pensamento estético. Lucie, Solange, Valentina, Annabelle e Barbara atravessam a sua vida amorosa e sexual, presenteando-o com perdas e descobertas. Como diz Novalis: “Até mesmo o acaso não é impenetrável tem as suas próprias regras.”






Os jovens que Etienne conhece na capital são, predominantemente, oriundos de alguma província da França, e estão ali para construir suas vidas profissionais ou artísticas. Paris, curiosamente, nunca aparece em sua grandeza e esplendor, é algo apenas pressentido, tal como o filme de Etienne. O que vemos em cena são debates sobre a sétima arte: O que é cinema? Como fazer cinema? O que fazer do cinema? Como fazer um cinema de invenção e crítico nos dias de hoje em que a indústria cinematográfico domina quase que absolutamente, a paisagem?

O filme foi realizado quase todo enquadramentos em primeiro plano ou em plano americano com corte na altura da barriga - mesmo numa festa, ou na sala de aula, o que vemos são, quase sempre, cabeças conversando. Os atores são precisos em suas interpretações o mais das vezes, minimalistas, contidas mas que deixam vazar a emoção de forma cirúrgica e pontual. A bela fotografia em preto e branco destaca de forma sutil a vivência das personagens. São tomadas simples e luminosas, mostrando apenas o que o diretor pretende que seja visto. Um exemplo disso é a cena do beijo de Valentina e Etienne: as personagens estão face a face e se aproximam pouco a pouco, falando coisas em torno do próprio ato que estariam prestes a realizar.

O romântico Alexandre Dumas poderia estar presente com os seus três mosqueteiros, que não seriam Porthos, Athos e Aramis mas imagem, luz e movimentos de câmera, ou, quem sabe, Pascal, Novalis e Satie. Já o quarto Mosqueteiro não se chamaria D’ Artagnan, mas Cinema ou talvez a moça-musa da vez, pois há sempre uma mulher zanzando pela área e arrastando para si uma cota de sensualidade tímida de Etienne. A cumplicidade desses bravos rapazes, entretanto não dura para sempre, pois Etienne perde seus dois amigos e parceiros: um para o cinema-indústria e outro para o fascínio da morte.





Há uma espécie de lucidez da imagem: o diretor Jean-Paul Civeyrac fez o filme que pretendeu fazer. Tudo nele é pensado para atingir o efeito da dignidade do preto e branco de um filme antigo - tal como na época de ouro de Hollywood ou da fase do neo-realismo na Itália ou da nouvelle vague na França - como, por exemplo, os conflitos políticos, as aventuras fracassadas e o tema da solidão do artista em seu processo de criação.

Mes Provinciales lembra-nos que Georg Philipp Friedrich Von Hardenberg - mais conhecido pelo nome poético que adotou, ou seja Novalis - foi um dos mais importantes poetas do romantismo alemão, e deixou-nos, em sua fortuna de escritos filosófico-literários, a potência da ideia de que “Seja em que poesia for, o caos deve transparecer sob o véu cerrado da ordem.”

“Paris 8”( Mes Provinciales ) - 2017 - 2h 17min
Direção  e Roteiro: Jean-Paul Civeyrac
Com: Andranic Manet - Gonzaga Van Bervesseles - Corentin Fila - Jenna Thiam - Sophie Verbeeck - Nicholas Bouchaud - Diane Rouxel - Charlotte Van Bervesseles - Valentine Catzéflis - Christine Brücher

Trailer: link aqui

Marco Guayba
Ator, diretor, preparador de elenco e Mestre em Letras



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