Crítica: Neville 'Almeida - Cronista da Beleza e do Caos




Neville 'Almeida - Cronista da Beleza e do caos (Neville d'Almeida - Choronicler of beauty and Chaos) 106 min

um filme de Mario Abadde

O documentário mostra a trajetória conturbada da cinematografia desse que é um dos ícones da fase mais rebelde e criativa de nosso querido cineasta brasileiro - sempre gerando ruidosas polêmicas e criando estrondosos impactos na moral vigente. Ao longo de décadas seus filmes foram censurados, proibidos ou mutilados com cortes em várias de sua parte.

O filme começa com a ilha da Jigoia, que é onde o cineasta mora. Durante a projeção são mostrados depoimentos do artista, trechos de vários dos principais filmes desse autor, depoimentos de colegas, parceiros de trabalho, atores e amigos. Tudo acontece como se ele metaforicamente recebesse, para uma confraternização, nem sempre amena, em sua residência - a arte  cinematográfica  - aqueles que de alguma forma estiveram presentes em suas aventuras na sétima arte.

A princípio, pode parecer um documentário convencional, tipo chapa-branca, com os rapapés da ocasião e a costumeira rasgação de seda para com o homenageado ilustre. Nada mais falso, Não há nada de convencional em Neville ou em sua obra fílmica. É célebre a sua obstinação em confrontar a hipocrisia, o autoritarismo e o moralismo mais empedernido.


Vemos isso no exemplo de "A Dama da Lotação". Sonia Braga está no auge de sua sensualidade e de seu talento dramático . Vive com euforia selvagem esse selvagem esse conto de Nelson Rodrigues  transformado em filme do gênero suposto erótico como drama erótico. Na história, Solange e Carlos, que se conhecem desde pequeninos, casam-se, mas na noite de nupcias o marido a força com violência. A dama deixa de fazer amor com ele, e passa a se entregar aos homens  que ela encontra no lotação. No desfecho do filme ela é um primor de descaramento e despudor em uma cena - com a cumplicidade generosa de Jorge Dória  - de explosiva volúpia e intenso espírito blasfemo.

Já "Rio Babilônia" é uma espécie de épico underground urbano onde a beleza e a generosidade da cidade contrasta com o seu lado oculto e pretensamente esquecido: a violência "invisível" de bandidos poderosos que circulam no high society. Marciano( Joel Barcellos) que vingar a morte de sua amiga Vera(Christiane Torloni), jornalista investigativa  que denuncia os crimes de um traficante internacional de ouro( Jardel Filho). Marciano passeia pelo lado menos exposto publicamente das festas picantes de políticos "respeitávies". Participa de uma confraternização erótica com um casal amigo, numa cena de "menage a trois"  na piscina, onde todas as extravagâncias libidinais são permitidas. E mostradas. Essa cena teve sérios problemas com a censura da época, e o filme quase não pode ser exibido.

Neville, em "Mangue Bangue", traça um painel de tudo que há de primitivo e animal no ser do homem em confronto com ânsia por dinheiro, poder e status  exigidos pela sociedade burguesa e pelo capital. O filme é uma obra de arte plástica em movimento.neste, e em seu outros filmes, o ator atua em êxtase e entusiasmo: sai de si para perder-se de tudo que o restringe  nesse nosso mundo de convenções inúteis e ignóbeis,.Talvez ensejando um momento de hierofania, tornando-se presa de um entusiasmo ninfoléptico, na hora de um comunhão com um mistério inabordável.


Para muito, Neville pode parecer um fauno brasileiro,voraz e libertino, mas o que ele faz, desde Jardim de Guerra, são filmes com uma pedagogia da ferocidade e do desprendimento, tentando romper a crosta da hipocrisia para revelar o que há por trás dela. Ética do desnudamento. Estética popular, mas com o refinamento da modernidade. E politica do corpo como o avesso da política oficial e cínica. Além de algo que poderíamos chamar de a poesia do mangue e do sangue.

O cinema de Neville parece a Natureza Selvagem clamando por se afirmar pela via da fúria abismal e da sexualidade. Profeta da aceitação da libido e das rupturas nos costumes. Poetas da erupções fantasma e das erupções fantasmais  e das transgressões do que ele próprio  chama de "animal cinematográfico". Escreve com imagens "sujas" e "belas" uma epifania própria ao autor. E ao filme como forma de arte.  Uma beleza, uma chama, uma chama chamada cinema, o seu cinema.

Nesse sentido, o que assistimos é mais que um mero filme sobre um cineasta, é um documento sobre os atos de um certo tipo de artista em luta aberta contra os costumes e falsidades de determinado tipo de sociedade.

Filme apresentado no Festival É tudo verdade / It's All True 2018

Sessão no Instituto Moreira Salles no dia 18 de Abril às 16 hs.

A sessão contou com as presenças do Diretor Mario Abadde e do objeto do filme, Neville d'Almeida.



Marcos Guahyba

Ator, diretor, preparador de elenco e Mestre em Letras




















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